quarta-feira, 2 de maio de 2012

A felicidade não tem campo

Eram 18h. O entardecer daquele dia convidava ao descanso, mas era preciso partir. Levantei-me com um pequeno livro de orações em mãos e fui para a Igreja matriz. O sol se escondia pelas bandas do rio madeira, um verdadeiro convite à contemplação e a poesia. Enquanto caminhava, notei que algumas pessoas voltavam para suas casas ansiosas pelo merecido descanso das labutas do dia. A pressa pelo lar era tamanha, que muitos nem notaram a singeleza de uma cena corriqueira para aqueles que peregrinam pela praça da matriz.

Eram dez garotos que gozavam da aurora dos seus nove, onze, talvez doze ou treze anos. Diziam vibrantes: “Passa a bola, passa...” “chuta!”... “Rapaz, tu é cego!”... “Vixe... o padre chegou!” Voltaram o olhar desconfiado para o padre que encontrou a igreja fechada. Ainda bem! Pude novamente contemplar aqueles olhares desconfiados, sorrisos de lado, mas determinados! Sem maiores receios, continuavam a jogar futebol em uma pequeninha parte do gramado que fica em frente à igreja matriz de Nova Mamoré.

Disputavam este gramado com um atrevido cachorro que insistia em driblá-los em busca da bola e, como se não bastasse, o padre havia chegado! Mas qual o motivo da desconfiança com a chegada do padre? - Indagava-me. De repente, a fiel companheira das tardes, a surrada bola, atravessa o “golzinho” e numa velocidade sem igual atingiu a parede e a porta da Igreja. Atinei! Suas marcas ainda estão lá! Mas os olhares temerosos voltados para o padre não conseguiram arrancar de mim outra coisa senão um sorriso. Sorri ao ver a alegria daqueles meninos e por cultivar a certeza de que, na medida em que “sujavam a Igreja”, lavavam minhas lembranças e faziam-me viajar no tempo e recordar a alegria e a leveza que sentia quando também participava de momentos como esse.

Era um verdadeiro caso de amor. Aqueles garotos que amavam o que faziam, fizeram-me viajar no tempo. Tempo de criança, reencontrado agora na saudade que insistia em adiar meu compromisso eclesial para contemplar aquela cena. De repente, um dos meninos que assistia à partida começou a irritar-se. “Mas como demora este jogo!” Dizia ofegante segurando sua bicicleta. A partida não terminava e o desejo de jogar era tanto que ele encostou sua bicicleta na parede da igreja e começou a se “aquecer” com uma “partidinha” de futebol em seu celular. Não me contive! Tentei tranquilizá-lo dizendo que em breve o jogo terminaria. Mal começava aquele ato de ansiedade, fomos novamente surpreendidos: - “é gol!” Ecoa o grito de felicidade. Não era um estádio, mas a alegria e o entusiasmo do artilheiro daquela partida testemunhava a existência da felicidade que não tem campo, mas aqui neste “gramadinho”, tem coração.

Aquela vibração ultrapassava em milhões as motivações de certos profissionais dos gramados. Fazer daquele pequeno espaço a extensão de sua alegria era a arte daqueles meninos sonhadores. E como emocionava aquela cena! Não se importaram com o suor ou a sujeira da terra que traziam em suas surradas roupas. Abraçavam-se sem receios! E como no voo de uma revoada, uniam-se num coro harmonioso: ganhamos, ganhamos!

Assim terminava aquela partida. Um novo jogo estava por vir e assim caminham aqueles novos amigos, por entre uma partida e outra, entre quedas e vitórias, mas sempre encontrando a felicidade na disposição de viver o jogo. Sendo leais as regras que estabeleceram entre si, ensinavam-me uma verdade milenar: os que estão mais cansados sedem o lugar, mas não deixam de participar.

Esta cena abriu-me as portas da esperança. Creio que dias melhores virão quando visitarmos estes meninos em seus sonhos. Esta deve ser a nossa paixão nacional. Não os chavões do futebol, mas estes meninos que correm descalços atrás da “surrada bola” de futebol. O que podemos fazer por eles sempre será menor do que aquilo que eles poderão fazer por nós se a eles ensinarmos que os sonhos são as sementes da realidade.

No findar daquela tarde de abril aqueles meninos voltavam para suas casas. Como seriam recebidos!? Só Deus sabe. Mas confesso que fico a pensar: quem sabe a felicidade que aqui encontram não esteja a espera deles em casa? Lá, também, deve ser o mais belo campo onde a felicidade deseja habitar.

 Pe. Patriky Samuel Batista